Principais canais de quadrinhos no YouTube

Já não é de hoje que a produção de quadrinhos tem crescido exponencialmente. Tem tanta coisa em andamento no mercado e, ao mesmo tempo, tanta coisa nova surgindo que é praticamente impossível acompanhar tudo ou saber de tudo.

Nessa pegada também tem sido cada vez mais difícil acompanhar sites/portais/blogs sobre o assunto pois, ou é muito conteúdo um em cima do outro que deixar algo passar ou ficar estafado com o excesso de informação é comum ou  – assim como nós – eles também não conseguem acompanhar tudo e ficam obsoletos.

A saída que eu tenho encontrado pra ficar por dentro do que acontece no mercado e ao mesmo tempo ter aquele mínimo de know-how sobre variedades do segmento é acompanhar vlogs sobre quadrinhos que, via de regra, conseguem falar a mesma quantidade de coisas (ou até mais) do que seria escrito em uma postagem e duram menos tempo pra te passar isso do que você levaria pra ler em outro site, sem falar no bônus visual que vem junto.

Dito isso, segue uma lista dos canais mais populares sobre o assunto que encontrei. Grifados*, os que eu acompanho regularmente e recomendo fortemente. :)

NerdSync Productions*

 

O NerdSync Productions começou como videocast e acabou ganhando também um podcast, o primeiro vai ao ar quartas e sextas já o segundo, nas segundas. O host é bem carismático e a pesquisa de conteúdo deles é bem completa, com boas referências visuais. Conteúdo em inglês e com uma dicção bem rápida, então se você tem problemas com inglês ainda, use as legendas de CC do Youtube.

Variant Comics

 

O formato de programa do Variant segue a mesma pegada do NerdSync, com uma passada bem rápida, mesmo estilo de edição e tudo o mais porém – pra mim – o host é bem mais chato e não tem a mesma skill de oratória do primeiro. Aqui o leque de coisas que eles falam é maior, abordando tv, filmes (até ai ok), memorabilia, brinquedos, apps (WTF?!). Enfim, esse é mais geralzão.

Comicstorian

 

O Comicstorian tem uma boa equipe de roteiro e locução, com uma apresentação diferentes dos anteriores, sem o host aparecendo na tela mas somente imagens do que está sendo falado, bem similar ao que acontece no Ei Nerd!. O canal vale pelo conteúdo e não pela apresentação em si, o áudio não é aquela superprodução de locução e a edição fica aquém do esperado de uma produção gringa (muito BR faz coisa melhor). Mas o conteúdo vale!

ComicsExplained

 

Aqui acontece exatamente a mesma coisa que no Comicstorian porém, o conteúdo é muito mais esmiuçado – não são raras as vezes que revistas inteiras são resenhadas nos vídeos – fazendo com que os vídeos fiquem enormes! E aí reside o problema do canal: além de uma edição rasa o locutor não tem a mesma envergadura na oratória como os anteriores. Claramente é um cara normal gravando em casa com um headset de 70$ da Microsoft, daí toda a sua atenção sai do conteúdo pra prestar atenção no que o cara tá fazendo (ou deixando de fazer) pra deixar o conteúdo melhor ou não.

Ei Nerd!

O Ei Nerd! é um canal brasileiro bem bacana, que não fala só de quadrinhos mas basicamente de toda cultura pop/geek que temos. O conteúdo é bacana, bem mastigado e simples. Dá pra dizer que é o básico pra alguém que quer começar a entender/conhecer qualquer coisa, não vai te deixar mais perto de um conhecimento profundo e aprimorado igual os canais anteriores. A edição é muito boa, seguindo o mesmo esquema do Comicstorian porém pecando na locução, igual o ComicsExplained.

Pipoca e Nanquim

Canal de vídeos do site homônimo. O PN é da velha quadra dos quadrinhos da internet nacional, começaram com podcast, foram pros vlogs, pausaram o podcast, aumentaram os vlogs, voltaram com o podcast… Uma festa! Os caras entendem do assunto, tem uma boa química e um conteúdo bom e razoavelmente periódico. Vale a pena, se não acompanhar pelo Youtube, acompanhar direto pelo site dos caras.

2quadrinhos*

Essa é uma descoberta razoavelmente recente mas que gostei bastante. Tem vídeos curtos e bem variados, variando a mídia em algumas ocasiões. Não tem grandes bruxarias de edição mas também não faz falta. Assim como alguns anteriores, tem um conteúdo básico sobre o que é dito, mata a curiosidade e instiga a conversa ou a leitura, nada de mais. Agora, Vinicius (host do canal), controla esse tic nervoso de ficar mexendo a mão, velho! Sério, na moral…

Omeleteve*

Omelete. Terreno comum de “conteúdo pop/nerd/geek” na internet nacional. Os caras estão ai há mais de 10 anos, conhecem mundos e fundos e o que não falta é meios e gente pra falar e escrever sobre tudo. O Omeleteve começou como OmeleTV uns anos atrás e, depois de umas pausas, foi reformulado e pouco a pouco gerou mais “filhos”. Hoje o canal dos caras tem de tudo, sobre todas as áreas (não só quadrinhos, especificamente), e com diversos hosts para cada tipo de situação. Se você consegue lidar bem em “consumir o conteúdo” da grande massa sem cair na “massa de manobra”, vai fundo.

E vocês, acompanham algum desses aí de cima ou algum outro que não entrou na lista? Qual?

Porque Batman TDKR NÃO é um conto fascista (Parte II)

Olá tripulantes fãs do Morcegão, continuamos aqui a nossa empreitada por esse post do Batman, se ficou perdido, você pode encontrar a Parte I aqui.

3- Com Grandes Poderes… sobre super-heroísmo, fascismo e direita

O que escapa aos olhos do crítico é que a discussão sobre heroísmo e fascismo já vinha de longa data e TDKR é informado por essa discussão. Assim, o ponto de partida é exatamente um herói fascista que será transformado progressivamente ao longo da história.

Mais ainda: a restrição moral de Batman (não matar) continua. Nesse sentido, não podemos concordar com a hipótese – ademais impossível de ser verificada – de que Frank Miller, caso pudesse, colocaria Batman matando o Coringa em seu confronto final.

Tanto essa cena como a presença de grupos neonazistas no começo da revista apontam para uma aproximação perigosa. Seria ele diferente do grupo que combate? Batman aproxima-se de uma linha limite, progressivamente, sem nunca tocá-la. É notável, porém, que ele está se aproximando cada vez mais da personalidade demoníaca do morcego… Bruce Wayne corre cada vez mais o risco de ser apagado, essa suave linha moral corre o risco de sumir.

É ainda mais curioso notar o quanto essa linha foi eticamente informada por Frank Miller. Se nos anos 1980 falamos de um Batman extremamente violento capaz de deixar o Coringa paraplégico, é notável que em 2013 seja extremamente natural que o Superman mate seu adversário em seu mais recente filme, sem sofrer uma acusação sequer de fascismo… e isso quando o diretor Zack Snyder nem de longe chega a fazer qualquer uma das ressalvas apresentadas por Miller: em nenhum momento temos motivo dentro da história para duvidar da capacidade moral do Super-homem de tomar aquela decisão. Ela é apresentada como necessária, pura e simplesmente. Aliás, em muitas cenas ele é apresentado como moralmente superior.

Mais ainda: enquanto em TDKR o Coringa se mata EXATAMENTE por saber que aquilo seria perturbador para Batman, Superman não tem NENHUMA sequela emocional por matar o Zod.

Em TDKR, Superman se conforma em trabalhar para o governo, enquanto Bruce resolve manter-se afastado do controle do Estado.

Mas, ora bolas, além da violência, não há uma mensagem anti-governo-democrático (apresentado sempre como inapto e corrupto) em Cavaleiro das Trevas?

Sim. Mas crítica ao governo é exatamente o ponto de TODA história de super-herói. Citando Colin Smith:

Leitores de todas idades apreciam essas histórias de super-heróis por que estamos cientes, em alguma medida de que há um problema em nossas sociedades no que tange à distribuição de poder. Nós amamos assistir lidarem com aqueles que violam ou traem os valores liberais-democráticos , mas não por acreditarmos que um Estado fascista seria melhor que um Estado democrático. Na verdade, o super-herói é um personagem que serve para retornar, em forma narrativa, a democracia a seus ideais, onde todos na sociedade são protegidos do poder daqueles que não se importam de modo algum com justiça. Porque por mais que muitos de nós no Ocidente, e particularmente, nos Estados Unidos, estejamos imersos no popular terreno da democracia, almejamos viver em um mundo onde a realidade de nossa sociedade civil e o que ela propõe coincidam mais claramente. E o super-herói, invés de servir como um símbolo de como a audiência deveria voltar-se a favor de um governo autoritário, retira seu poder de nosso conhecimento de como a democracia frequentemente não funciona tão bem, enquanto desesperadamente deseja que ela funcionasse. Assim, o super-herói tem um significado profundamente anti-fascista. E o apelo do grupo de capa e roupas colantes é algo que é direcionado a grupos de todas as idades, e não apenas se direciona aos pré-adolescentes confusos, porque a maioria, se não quase a totalidade, da população deseja um Estado que seja na prática o que diz ser em princípio: justo e equitativo. Isso não é um anseio específico da juventude. E não tem nada a ver com fascismo, por que se preocupa com a liberdade efetiva do medo e da perseguição mais do que com uma concessão ao autoritarismo [fonte: SMITH, Colin. The Fascist Superman, The Tyrant Aquaman, That Lil’Boy Spider-Man Too: How Childish & Anti-Democratic Are Our Super-Heroes? Part 1 of 2 (2010) In: <http://toobusythinkingboutcomics.blogspot.com.br/2010/07/fascist-superman-tyrant-aquaman-that.html>. Acesso em 10/10/2013. Tradução – com algumas liberdades – minha].

Uma das marcas de TDKR, a presença constante dos balões de cantos arredondados apresentam a opinião da mídia sobre os fatos… a presença da mídia televisiva é obsidiante e não permite tempo para que respiremos ou formemos nossa própria opinião. Quase dá pra ouvir um plim-plim ao fundo.

É notável, aliás, que a crítica de Frank Miller seja pesadamente direcionada aos formadores de opinião de Gotham. A questão que está em jogo, no fim das contas é a mesma que será resgatada e aprofundada pela Marvel em Guerra Civil (e, mais uma vez… não lembro de ninguém sair acusando o Capitão de fascista por aí….): até que ponto devemos permitir a participação das instituições (privadas e públicas) como controladoras de nossas vidas?

A questão é, claro, cara a neoliberalistas, mas também à alguns setores da esquerda e aos anarquistas. Claro que uma leitura de esquerda atacaria a ingenuidade de Miller de acreditar na solução capitalista para o problema e apontaria que a substância mesma do que Batman combate (corrupção, criminalidade, caos social) têm origem nas desigualdades geradas pelo capitalismo.

Essa é uma crítica válida e nesse ponto Miller está significativamente atrás de Alan Moore Pat MillsGrant Morrison e muitos outros quadrinistas ativos na década de 1980.

Mas se a visão do Batman de Miller é seguramente baseada numa visão positiva da direita, ela está longe de ser uma visão que indique o babaquismo direitista no qual o autor viria a cair no futuro.

É isso por hoje e essa postagem continua na próxima semana, aproveitem e deixe seu comentário sobre o que achou dessa postagem logo abaixo.

Porque Batman TDKR NÃO é um conto fascista (Parte I)

que já vi. Você pode ler a crítica aqui, no blog Quadrinheiros. Refletiremos um pouco sobre a análise deles e mesmo algumas imagens do post serão reutilizadas, então, recomendamos a leitura dos posts deles para melhor compreensão de nosso texto. Como disse antes, a análise deles é muito boa, e não pretendemos com essa resposta causar polêmica, ou invalidar o ponto de vista deles, mas apenas levantar a discussão e resgatar um dos pontos mais importantes (e paradoxalmente, mais esquecidos) do revisionismo dos anos 80: sua dimensão ética. Para isso, teremos que percorrer alguns pontos da argumentação do post original e apresentar nosso ponto de vista sobre eles.

1- Frank Miller apresentaria posturas fascistas nos anos posteriores. E sempre foi um conservador de direita.

É fato que Frank Miller sempre foi um entusiasta da direita americana. Pior ainda: é notável que progressivamente ele foi tornando-se mais e mais conservador e intransigente. Suas obras mais recentes, claro, tem um marcado conteúdo xenófobo, representativo do que há de pior do discurso republicano. Isso parece resolver a questão não é mesmo? Martelo batido: é claro que embora não tenhamos percebido à época, TDKR era apenas mais um dos passos de Frank para fazer um brainwashing em todos nós nesse discurso pró-fascista que sempre lá esteve desde o começo. Seria isso mesmo?

Temos, porém, que limpar o meio de campo, antes de seguir. Em primeiro lugar cabe observar as recomendações dos críticos de arte e teóricos de interpretação. No seu livro Os Limites da InterpretaçãoUmberto Eco chama a atenção para à impossibilidade de realizarmos uma interpretação com foco na intenção do autor, uma vez que a) nem sempre as intenções do autor são publicamente conhecidas e é possível que permaneçam de foro íntimo; e b) é possível – e isso é relativamente conhecido desde que Freud popularizou o conceito de inconsciente – que nem mesmo o autor saiba as reais intenções por trás da escrita de sua obra.

Resta, portanto, analisar quais são as intenções da obra, e verificar se, para uma dada interpretação baseada em um determinado momento, há elementos que a validem posteriormente.

Há ainda uma outra observação a ser feita, sobre o risco de se analisar essas “intenções de autor”. É questionável, e mesmo perigoso, traçar uma linha reta na evolução do pensamento de um escritor. É fácil dizer que “elementos que atestam um comportamento posterior já estavam presentes anos antes” mas, embora possa haver certa precisão psicológica neste argumento, há que se observar que não são estranhos os casos de profundas mudanças de postura (ética política e econômica) de alguns autores. Da conversão de Paulo, às guinadas neoliberais dos anteriormente esquerdistas Ferreira Gullar Arnaldo Jabor , a história não cessa em nos fornecer exemplos de escritores e artistas “vira-casaca”. No mais, o desenrolar da obra de Frank Miller não é tão distante de como a própria tendência revisionista evoluiu, o que levanta a questão (muito mais interessante) de se a progressiva aceitação de posturas fascistas nas HQs são algo exclusivo de Miller, ou se são um produto da época – um movimento que precede o 11 de setembro, mas que sem dúvida foi intensificado por ele.

2- Batman: The Dark Knight Returns consolidaria a imagem de um homem-morcego violento e psicótico. Isso por si só já seria uma prova de que a obra é uma apologia ao fascismo, não?

A onomatopeia não esconde que alguns ossos foram quebrados com esse golpe mesmo que Batman informe no recordatório que há maneiras de sair da situação com “mínimo contato”. Ele nitidamente OPTA pela violência.

É nítido que o Batman de TDKR é ultraviolento. Ele trata os criminosos com desprezo e sempre que possível abusa da força. Ora abuso de poder e posição contrária aos direitos humanos é certamente uma característica de direita, não é mesmo? De fato, o Batman de TDKR é REALMENTE um personagem com fortes tendências fascistas e REALMENTE é apresentado com alguém com sérios problemas psicológicos. Mais uma vez parece que a questão está resolvida e que, de fato TDKR é um tratado de apologia ao recrudescimento no combate ao crime.

Mas… espere. Analisemos outras obras da época. Não eram também ultraviolentos e psicologicamente problemáticos Juiz DreddV. RorschachMarshall Law ? E não eram eles todos personagens criados por autores nítida e declaradamente de esquerda, abertamente contrários ao conservadorismo e a violência política típicas dos EUA e do Reino Unido na época?

O problema é que muitas vezes somos prejudicados por centrarmos no massaveísmo da coisa e ficamos cegos para o contexto geral da obra. Da mesma maneira que um grande número de pessoas lê Rorschach como o herói de Watchmen, e fica cego para seu discurso fascista, ou a revista Veja acredita que o Capitão Nascimento é um herói, perdendo toda a crítica aos abusos de poder policial presentes em Tropa de Elite (o que obrigou o diretor a fazer o Tropa de Elite for dummies que é o Tropa de Elite 2), é fácil se empolgar com os quadros de porradaria brilhantemente desenhados por Frank Miller e achar que a mensagem direta da HQ é : toda violência é justa no combate ao crime.

Bruce vê em Duas-caras, apesar de sua face reconstituída, sua real face… que é um reflexo do morcego. No fim, são ambos faces de uma mesma moeda…

Pois, se é verdade que o homem morcego aparece como um homem obcecado psicologicamente, isso na verdade não é uma defesa do direito à violência psicótica (o que seria, aliás, um óbvio contra-senso como intenção), mas um lembrete permanente ao leitor de que não há diferença completamente nítida entre o que combate o crime e o criminoso.

Na cena icônica em que Batman confronta um Harvey Dent já com o rosto restaurado através de cirurgia plástica, temos um exemplo claro disso. Harvey pede para que Batman ignore sua aparência e apenas o escute… e diga então que imagem aparece em sua mente. Em uma sequência brilhante de quadros Frank Miller mostra o processo associativo: Batman vê o verdadeiro Harvey, ainda com a face dividida, um eterno Duas-caras. Mas vê também um morcego. Os dois são obcecados com seus alter-egos.

Se lembrarmos que a cirurgia de restauração facial de Harvey foi bancada por Bruce Wayne é fácil perceber que havia uma esperança de Bruce de, ao resolver os problemas de Harvey, encontrar esperanças de se livrar do peso do manto do morcego… cabe lembrar que em TDKR, Bruce é POSSUÍDO pelo símbolo do morcego… ele age sem ter controle dos atos no início da história, buscando aproximar-se novamente da imagem de Batman (raspa o bigode, bate em criminosos, tudo isso sem tomar consciência de suas ações, como um sonâmbulo).

Além disso, há a sutil implicação de que Bruce Wayne estava indiretamente tentando se matar no começo da revista (e que haveria sido salvo por essa sua personalidade dissociada que era o Batman, pelo menos duas vezes… pilotando o carro na pista de corrida e ao resistir a uma tentativa de assalto).

Agora, corrijam-me se eu estiver errado: associar comportamento ultra-violento a uma série de psicopatologias parece ser muito menos uma APOLOGIA do que uma severa CRÍTICA ao excesso de violência, não é mesmo?

Com isso começamos a desatar o nó que diferencia nossa interpretação daquela apresentada pelos Quadrinheiros. Mas ainda resta dar alguns passos, que ficarão para a próxima parte desta série.

Até lá!